Os questionamentos acerca do dever de os cônjuges prestarem alimentos uns aos outros, após o desfazimento da relação matrimonial, são bastante comuns no cotidiano do Direito de Família.
Estes ganham contornos ainda mais interessantes, sobretudo, no aspecto jurídico, quando a pensão alimentícia fixada em favor de qualquer deles, não estabelece prazo certo para o término da obrigação.
Num primeiro momento, é importante observar que tal obrigação tem origem no dever de mútua assistência consagrado pelo instituto do casamento, com expressa previsão no artigo 1.566, inciso III, do Código Civil brasileiro.[1]
O dever matrimonial de assistência atribui aos cônjuges a responsabilidade de assistir materialmente o outro, mesmo após o término da relação, possibilitando àquele que necessita do auxílio, viver de modo compatível com a sua condição social.
Para a fixação dos alimentos, a doutrina e a jurisprudência consagram a aplicação do binômio necessidade-possibilidade[2]; ou seja, durante o processo de atribuição dos alimentos, não chegando às partes a comum acordo, o juiz analisará tanto as necessidades de quem receberá os alimentos (alimentando), quanto às possibilidades financeiras de quem suportará a obrigação (alimentante) por meio das provas apresentadas no processo, e assim, determinará o valor que entender justo e razoável.[3]
Em regra, uma vez estabelecida à pensão alimentícia, seja qual for a justificativa (mútua assistência, parentesco ou poder familiar), os pedidos de revisão (majoração, redução ou exoneração) somente se justificam em face da constatação de variação econômico-financeira das partes.
A variação econômico-financeira nada mais é do que a alteração da condição financeira que as partes possuíam no momento da fixação da obrigação, por exemplo, no caso de redução comprovada da renda do alimentante ou no caso de o alimentando tenha sua realidade financeira melhorada. Nessas hipóteses, tal variação precisa ser comprovada nos autos.
E a explicação para isso é bastante simples. O ordenamento jurídico brasileiro busca essencialmente a estabilidade das relações jurídicas; desse modo, pretende-se apenas evitar que a todo momento os envolvidos na prestação alimentícia, seja o alimentante ou o alimentando, venha a bater as portas do Poder Judiciário para pedir que estes sejam revistos.
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, consolidou entendimento de que os alimentos fixados entre ex-cônjuge, sem a previsão de prazo certo de encerramento da obrigação, podem ser revistos mesmo não havendo comprovação da variação econômico-financeira das partes, uma vez que a obrigação decorrente do dever de mútua assistência possui natureza temporária.[4]
Assim, transcorrido prazo suficiente para que o alimentando deixe a condição desfavorável que detinha antes da fixação, a manutenção da obrigação somente encontra justificativa diante de comprovada impossibilidade física que incapacite o alimentando para o trabalho.
Não restando previsto prazo certo para o fim da obrigação de alimentos, a revisão (exoneração ou redução) somente ocorrerá mediante ação judicial, momento pelo qual serão novamente averiguadas as necessidades e possibilidades de cada um dos ex-cônjuges, para que, ao final, o juiz possa decidir a respeito da revisão ou manutenção da obrigação alimentícia.
Em virtude disso, é sempre aconselhável dispor quanto ao fim da obrigação no momento de sua fixação, visto que o ordenamento jurídico brasileiro não estabelece a possibilidade de encerramento automático dos alimentos, prevendo tão somente situações que justificam o seu encerramento, sendo necessário o acionamento do Poder Judiciário para a sua efetivação.
Conclusão
Em nosso sentir, levando em consideração a jurisprudência moderna e a doutrina mais balizada, é viável o pedido judicial do ex-cônjuge (alimentante) para a revisão (redução ou exoneração) da pensão alimentícia paga ao ex-cônjuge (alimentando), mesmo não havendo comprovação da variação econômico-financeira das partes, nos casos em que não há prazo certo para o fim da obrigação.
Contudo, faz-se necessário que se tenha passado tempo suficiente a possibilitar ao ex-cônjuge (alimentando) a reinserção no mercado de trabalho, para que consiga se manter com o esforço próprio.
[1] Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
[…] III – mútua assistência;[2] O direito de alimentos pode ser requerido a qualquer tempo; porém, deve-se sempre verificar, para a sua fixação, a existência do binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante (In LISBOA, ROBERTO SENISE. Manual de direito civil, v. 5 : direito de família e sucessões / Roberto Senise Lisboa. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012. pg. 41)
[3] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
- 1oOs alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
- 2oOs alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
[4] DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO PARA PAGAMENTO DE PENSÃO. EX-CÔNJUGE. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DAS PARTES. TEMPORARIEDADE. POSSIBILIDADE DE EXONERAÇÃO. RECURSO ADESIVO. INADEQUAÇÃO. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 15 DA LEI 5.578/68 E ARTS. 1.694 e 1.699 do Código Civil. 1. Ação de exoneração de alimentos, ajuizada em 17.03.2005. Recurso especial concluso ao Gabinete em 03.05.2013. 2. Discussão relativa à possibilidade de exoneração de alimentos quando ausente qualquer alteração na situação financeira das partes. 3. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados com termo certo, a depender das circunstâncias fáticas próprias da hipótese sob discussão, assegurando-se, ao alimentado, tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similar ao período do relacionamento. 4. Serão, no entanto, perenes, nas excepcionais circunstâncias de incapacidade laboral permanente ou, ainda, quando se constatar, a impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho. 5. Rompidos os laços afetivos e a busca comum pela concretização de sonhos e resolvida a questão relativa à guarda e manutenção da prole – quando houver –, deve ficar entre o antigo casal o respeito mútuo e a consciência de que remanesce, como efeito residual do relacionamento havido, a possibilidade de serem pleiteados alimentos, em caso de necessidade, esta, frise-se, lida sob a ótica da efetiva necessidade. 6. Não tendo os alimentos anteriormente fixados, lastro na incapacidade física duradoura para o labor ou, ainda, na impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho, enquadra-se na condição de alimentos temporários, fixados para que seja garantido ao ex-cônjuge condições e tempo razoáveis para superar o desemprego ou o subemprego. 7. Trata-se da plena absorção do conceito de excepcionalidade dos alimentos devidos entre ex-cônjuges, que repudia a anacrônica tese de que o alimentado possa quedar-se inerte – quando tenha capacidade laboral – e deixar ao alimentante a perene obrigação de sustentá-lo. 8. Se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado reverta a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos. 9. Contra a decisão que recebe o recurso de apelação no efeito suspensivo, é cabível agravo de instrumento (art. 522 do CPC) e não recurso especial. Não tendo sido interposto o referido recurso, a questão está preclusa. 10. Recurso especial desprovido. 11. Recurso adesivo não conhecido. (REsp n. 1.388.116 – SP (2013⁄0092817-7), Relator Ministro NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20⁄05⁄2014).
CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. PENSÃO ALIMENTÍCIA. AÇÃO REVISIONAL E EXONERATÓRIA DE ALIMENTOS. AFIRMADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE A PENSÃO DEVIDA AOS FILHOS É EXCESSIVA E QUE HOUVE MUDANÇA NA CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. REVISÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. EXONERATÓRIA. PROCEDÊNCIA. EX-CÔNJUGE. CAPACIDADE LABORATIVA E APTIDÃO PARA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. RECURSO ESPECIAL 1. Embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão impugnado examinou, motivadamente, as questões aventadas, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte. Logo, não há que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Concluindo a instância ordinária, a partir do exame do acervo probatório, que não houve mudança na situação financeira do alimentante e que seus filhos necessitam dos alimentos prestados, não pode esta egrégia Corte Superior rever tal conclusão, em razão do óbice contido na Súmula nº 7 do STJ. 3. Nos termos da jurisprudência do STJ, o fato de o devedor dos alimentos ter constituído nova família, por si, não implica revisão dos alimentos prestados aos filhos da união anterior, sobretudo se não ficar comprovada a mudança negativa na sua capacidade financeira. Precedentes. 4. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior firmou a orientação de que a pensão entre ex-cônjuges não está limitada somente à prova da alteração do binômio necessidade-possibilidade, devendo ser consideradas outras circunstâncias, como a capacidade potencial do alimentado para o trabalho e o tempo decorrido entre o início da prestação alimentícia e a data do pedido de desoneração. 5. Esta egrégia Corte Superior também tem entendimento de que, em regra, a pensão deve ser fixada com termo certo, assegurando ao beneficiário tempo hábil para que reingresse ou se recoloque no mercado de trabalho, possibilitando-lhe a manutenção pelos próprios meios. O pensionamento só deve ser perene em situações excepcionais, como de incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho. Precedentes. 6. Não se evidenciando a hipótese a justificar a perenidade da prestação alimentícia a excetuar a regra da temporalidade do pensionamento entre ex-cônjuges, deve ser acolhido o pedido de exoneração formulado pelo recorrente, porque sua ex-mulher possui plena capacidade laborativa e fácil inclusão no mercado de trabalho em razão da dupla graduação de nível superior e pouca idade. 5. Recurso especial provido em parte. (REsp n. 1.496.948 – SP (2013⁄0123257-0), Relator Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄03⁄2015).